É algo difícil uma pessoa não ter ética: uma pessoa sem ética seria uma pessoa que não orientaria sua vida por valorações sobre bem e mal.
Em nosso uso mais comum, porém, falamos de uma pessoa que ela não tem ética quando não pratica um certo conjunto de princípios morais que compartilhamos e que se encontram relativamente consolidados em nossas tradições e visões de mundo. poderíamos dizer que esse conjunto de princípios baseia-se principalmente em diferentes formulações da "regra de ouro": faça aos outros o que queres que façam contigo, não faça o que não queres, etc. Disto, podemos notar valores implícitos como a igualdade de todos, a dignidade da pessoa humana, e o consequente igual direito ao respeito. uma pessoa sem ética, portanto, nesse sentido seria uma pessoa que age discriminando (em geral, egoisticamente, ou seja, coloca-se como sendo mais importante que as outras pessoas) e que não respeita a dignidade da pessoa humana (usa as pessoas como meras "coisas", como meios para atingir seus fins).
Existe alguém sobre quem eu possa dizer que não tem ética? É possível falar que tal pessoa “não tem ética”? Não, é impossível. Você pode dizer que ele não tem uma ética como a tua, você pode dizer que ele tem uma ética com a qual você não concorda, mas é impossível dizer que alguém não tem ética, porque ética é exatamente o modo como ele compreende aquelas três grandes questões da vida: devo, posso, quero?
Tem coisa que eu devo, mas não quero, tem coisa que eu quero, mas não posso, tem coisa que eu posso, mas não devo. Nessas questões, vivem os chamados dilemas éticos; todas e todos, sem exceção, temos dilemas éticos, sempre, o tempo todo: devo, posso, quero? Tem a ver com fidelidade na sua relação de casamento, tem a ver com a sua postura como motorista no trânsito; quando você pensa duas vezes se atravessa um sinal vermelho ou não, se você ocupa uma vaga quando vê à distância que alguém está dando sinal de que ele vai querer entrar; quando você vai fazer a sua declaração de Imposto de Renda; quando você vai corrigir provas de um aluno ou de um orientando seu; quando você vai cochilar depois do almoço, imaginando que tem uma pia de louça que talvez seja lavada por outra pessoa, e como você sabe que ela lava mesmo, e que se você não fizer o outro faz, você tem a grande questão ética que é: devo, posso, quero? Por exemplo, quando se fala em bioética: podemos lidar com clonagem? Podemos, sim. Devemos? Não sei. Queremos? Sim. Clonagem terapêutica, reprodutiva? É uma escolha. Posso eu fazer um transplante intervivos? Posso. Devo, quero? Tem coisa que eu devo, mas não quero; aliás, a área de Saúde, de Ciência e Medicina, é recheada desses dilemas éticos. Tem muita coisa que você quer, mas não pode, muita coisa que você deve, mas não quer.
Nessa hora, um perigo se avizinha: assumir- se individual ou coletivamente uma certa “esquizofrenia ética”. Ela desponta quando as pessoas se colocam não como inteiras, mas repartidas em funções que pareceriam externas a elas. Exemplos? “Eu por mim não faria isso, mas, como eu sou o responsável, tenho de fazê-lo”.